sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Emergência Nacional?

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Dizem-nos, o governo e os seus apoiantes, que vivemos uma situação de “emergência nacional”. Será assim?

A primeira questão que nos devemos pôr é “O que é uma situação de emergência nacional”? Creio que será inquestionável entendermos por “emergência nacional” uma situação de ataque concreto, ou uma ameaça de elevado grau de probabilidade de concretização, à vida de toda a comunidade nacional.

Poderá ser um ataque armado levado a cabo por um país inimigo, ou a existência de provas concretas e irrefutáveis de que um país inimigo se prepara para lançar uma ofensiva armada contra a nossa comunidade.

Não estamos, porém, na eminência de um conflito dessa natureza e intensidade com nenhum outro país. E mesmo considerando que o terrorismo internacional está desterritorializado, é imprevisível nas suas acções, e atinge indiscriminadamente todas as populações, em qualquer parte do mundo, a eventualidade de um ataque armado está muito longe de justificar uma “situação de emergência nacional” no nosso país.

Poderá ser uma violentíssima catástrofe natural – um terramoto, um “tsunami”… - resultante das profundas alterações climáticas que estão a acontecer. É verdade que o país tem vivido situações gravíssimas, de origens diversas, e com consequências muito pesadas e de grande sofrimento para as populações. Mas tais calamidades têm-se circunscrito a áreas restritas. Isto não impede – muito pelo contrário, convoca! – a solidariedade nacional. Mas não configura uma “situação de emergência nacional”.

Dizem-nos, o governo e os seus apoiantes, que, de facto, a “situação de emergência nacional” concretiza-se noutra área bem identificada e específica – a área do défice orçamental, da dívida pública, da dívida soberana, em suma, a área financeira.

Ora, se a “emergência” se situa na área financeira e “é nacional” – isto é, afecta toda a comunidade nacional – importa levantar algumas questões relevantes e procurar-lhes respostas válidas, credíveis e adequadas. Vejamos alguns exemplos:

1. Sabem-se as causas e os responsáveis pela situação?

Estando o défice, e as dívidas pública e soberana, incontornavelmente, especificamente, e totalmente ligados ao exercício do poder político, o que podemos constatar é, resumidamente:

- Que apenas três partidos políticos têm exercido o poder político desde 1976: o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata, o Centro Democrático-Social/Partido Popular;

- Que desde sempre, mas com particular ênfase desde o governo liderado por António Guterres, aqueles partidos, quando tomam posse ou pouco tempo depois, rotineiramente acusam o governo anterior de todas as malfeitorias que “encontraram à sua chegada ao poder”;

- Que nem os “acusadores” apresentam provas concretas do que afirmam, nem os “acusados” se defendem para além de palavras mais ou menos agrestes mas circunstanciais;

- Que a Assembleia da República (maioritariamente sempre composta por aqueles três partidos) “não se deu, nem dá, ao trabalho” de exigir qualquer tipo de clarificação das situações, muito menos de atribuição de responsabilidades, sequer de carácter político, numa manifesta demissão das suas funções e responsabilidades.

Podemos concluir, então, que:

A) Não há causas relevantes que justifiquem uma “situação de emergência nacional”;

B) Não há responsáveis efectivos por actos que se presumam causas de eminente “situação de emergência nacional”;

C) Eventuais “discrepâncias financeiras” foram sempre consideradas por aqueles três partidos, e pelas maiorias parlamentares (isto é, os mesmos partidos e a Assembleia da República), como irrelevantes num contexto de uma eventual, ou provável, “situação de emergência nacional”, pois consideraram, de facto, que pouco ou nada afectariam a vida da comunidade nacional.

2. Perante a afirmada “emergência nacional” de ordem financeira, o governo:

- Proibiu, e impediu, a saída de dinheiro do país?

- Proibiu a especulação financeira (por exemplo, impedindo que grandes quantidades de acções bolsistas fossem adquiridas, por particulares ou empresas, mediante empréstimos bancários do banco do Estado?

- Foram os cofres do Estado já ressarcidos de todos os empréstimos concedidos para aquele efeito, quer pelo banco do Estado, quer por bancos entretanto nacionalizados (BPN, por exemplo)?

- Proibiu os bancos de concederem empréstimos – ao Estado, às empresas, a particulares – a juros 4, 5, 6, ou mais vezes superiores ao próprio financiamento dos bancos?

- Taxou de forma efectivamente relevante os ganhos dos jogos financeiros?

- Promoveu a recuperação da produção nacional – agricultura, pescas, indústria – destruída pelo poder político com a chegada dos primeiros “fundos estruturais” da União Europeia (governo Cavaco Silva)?

- Identificou, e puniu, os responsáveis pelas “fugas” de dinheiro para os paraísos fiscais?

Nenhuma destas questões teve, até hoje, uma resposta positiva.

3. Afirmando, o governo e os seus apoiantes, tão convictamente, que a situação é “de emergência nacional”, por que razão não foi esta “emergência nacional” formalmente declarada?

Se analisarmos este facto em conjunto com as questões anteriores, ressalta uma interpretação clara: o governo não prescinde de usar o que chama de “emergência nacional” de uma forma selectiva:

- Escolhendo os “culpados” pela situação a que chegámos: os trabalhadores, os funcionários públicos, os professores, os militares, os pensionistas e reformados, os jovens;

- Escolhendo aqueles a quem impõe o ónus e a obrigação de suportarem todos os sacrifícios como uma punição pela sua “culpa”: os trabalhadores, os funcionários públicos, os professores, os militares, os pensionistas e reformados, os jovens.

Conclusão: sendo as causas da “emergência nacional”, e os custos da sua superação, atribuídos e aplicados apenas a uma parte da comunidade, aquela “emergência” deixa de ser nacional para se constituir tão só como uma acção governativa claramente intencional na sua selectividade.

Sem que, no entanto, no exercício desta selectividade, o governo sequer demonstre, clara e inequivocamente, que as causas e as razões em que sustenta a sua acção governativa, bem como os objectivos que pretende atingir, respeitam os anseios e a vontade, e vão ao encontro das expectativas de toda a comunidade nacional.

Pelo contrário, toda a acção governativa vem demonstrando que a selectividade praticada mais não é que total discricionariedade no exercício do poder político.

E discricionariedade no exercício do poder político não é Democracia!

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