sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

“O estado a que isto chegou”*: Que consequências?

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Vivemos tempos conturbados, plenos de incerteza, de insegurança, de angústia. Tempos em que o medo nos surge a cada esquina do nosso quotidiano, cada vez menos nosso - objectos que somos de um deus menor (o dinheiro) que nos “coisifica” -, e em que nos sentimos meras peças de um todo que desconhecemos, que não compreendemos, e que nos sufoca.

Olhamos à nossa volta e as injustiças de que damos conta – muitas delas vivendo-as como protagonistas/vítimas principais – impedem-nos de permanecermos calados, incitam-nos a que gritemos a nossa revolta.

Mas hoje, esse grito de revolta aparece-nos ténue, frágil, impotente, perante a constância e a extensão dessas injustiças, sempre reiteradas, renovadas, ampliadas.

A nossa indignação já esgotou as palavras que conhecíamos para a nomearmos, para contermos “ a raiva que não se deixa aprisionar em palavras” (Amartya Sen).

Buscamos, com urgência, um último átomo de ponderação. E são inúmeras as vozes que nos abraçam, expressando a sua solidariedade, por assumirem como suas as nossas razões. São vozes que nos chegam dos mais diversos lugares, através dos mais diversos mensageiros, apoiando-nos na nossa profunda convicção de que há outros caminhos a percorrer se queremos – como exigimos! – alcançar o Futuro.

Mas essas vozes, mesmo mais “moderadas e ponderadas” que as palavras verticais com que afirmamos a nossa indignação, também não chegam ao Poder. Ou são por ele ignobilmente desprezadas.

Sem palavras para nos defendermos, sentimo-nos impelidos a ultrapassar a fronteira da indignação, e a entrarmos, violentados e temerosos, mas DE PÉ, no território dos humilhados, dos ofendidos, dos descartáveis. Dos que são apenas números em estatísticas de vão-de-escada, manhosamente manipuladas pelo Poder e por muita da comunicação social. No território onde mora o desespero.

Sem palavras para dizermos a nossa indignação, é-nos cada vez mais imprescindível, e urgente, que a raiva que sentimos se solte em actos. Poderão ser actos aleatórios, imprevisíveis, sem controlo, desesperados. Poderão ser potencialmente violentos, eventualmente (também eles) injustos. Mas que não restem dúvidas – serão uma consequência, e não, nunca, uma causa da violência. Serão respostas (legítima defesa) à violência que hoje sofremos, imposta pelo exercício ilegítimo do Poder.

Pois não é violência pura a destruição do Presente de milhões de portugueses?

Não é violência pura o roubo do Futuro perpetrado contra os mais jovens?

Não é violência pura os despudorados insultos lançados contra os mais velhos, amarrotando-lhes um Passado inteiro e vertical, impondo-lhes um Presente vazio e de exclusão, negando-lhes um Futuro merecidamente digno?

Não é a mais abjecta violência haver – hoje, século XXI, num país da União Europeia! – milhares de crianças com fome? Não é isto um Crime contra a Humanidade?

Não é uma violência vil e despudorada colocar no “limbo dos descartáveis” milhares de homens e mulheres porque ficaram sem meios de subsistência – sem emprego – aos quarenta/cinquenta anos?

Não é da mais canalha violência colocar - numa comunidade que se exige nacional na construção de um Futuro comum –, de forma intencional, uns contra os outros, jovens contra velhos, mulheres contra homens, empregados contra desempregados, funcionários públicos contra trabalhadores “privados”, professores contra todos, militares como “inúteis”?

Tendo repudiado todas as palavras ponderadas, nossas e de tantos e tantos Seres Humanos que nos acompanham na nossa indignação, o Poder político refugia-se na máxima hipocrisia: “Não há alternativa”. Não percebe – melhor, finge não perceber! – que esta afirmação é a total e definitiva prova da ilegitimidade com que é exercido esse Poder: para a Democracia, é condição inultrapassável, insubstituível, inalienável, haver alternativas!

Da ilegitimidade provada da sua acção governativa, e denunciando o medo, ou a “impossibilidade de ter ideias” (Jorge de Sena), o Poder político coloca-se agora no território da irracionalidade.

Dar-se-á conta de que, defendendo – e agindo, impondo-o! – tão convictamente o dogma “Não há alternativa”, o governo está, incontornavelmente, inquestionavelmente, a assumir TODA a responsabilidade pelos seus actos, e omissões, e, porque indiscutivelmente estes e estas são CAUSAS, também a assumir a responsabilidade pelas consequências que deles derivem? Nomeadamente os actos aleatórios, imprevisíveis, sem controlo, potencialmente violentos, eventualmente injustos, que o mundo dos humilhados, dos ofendidos, dos desprezados, dos descartáveis, venham a praticar – porque desesperados?

É que a estes, perdida a capacidade de expressar a sua indignação (porque as palavras se esgotaram), e negada qualquer perspectiva minimamente digna de um Presente e, muito menos, de um Futuro, resta-lhes apenas, como objectivo único, a sobrevivência.

Esta, tal como a legítima defesa, no mundo dos Seres Humanos, pode, e deve, ser enquadrada e ponderada, por Valores, Princípios, Ética.

Mas estes são conceitos, e práticas, que o governo demonstradamente não reconhece.

É possível nomear muitos dos responsáveis pelo “estado a que isto chegou”. Urge que não fiquem impunes, como um primeiro acto de muitos outros necessários para devolver a um Povo inteiro a confiança, no Outro e nas instituições, colectivamente indispensável a construção de um Futuro Digno e Comum.

*Salgueiro Maia

1 comentário:

  1. Subscrevo este texto. Tantas perguntas a precisarem de uma resposta firme e rápida! Se não a dermos para acabar com o "estado a que isto chegou" acabam eles os "canalhas" connosco!!!

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