sábado, 23 de fevereiro de 2013

Com o Padre António Vieira

25 de Abril de 1974

“No mar, pescam as canas, na terra, as varas (e tanta sorte de varas); pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam, e pescam mais que todos, porque pescam cidades e reinos inteiros. Pois é possível que, pescando os homens cousas de tanto peso, lhes não trema a mão e o braço?” (Sermão de Santo António)

“Se pergunta a sabedoria divina, porque não perguntará a ignorância humana? Mas esse é o maior argumento de ser ignorância. Quem não pergunta, não quer saber; quem não quer saber, quer errar. Há porém ignorantes tão altivos, que se desprezam de perguntar, ou porque presumem que tudo sabem, ou porque se não presuma que lhes falta alguma cousa por saber.” (Sermão de São Pedro)

“A boa opinião de que tanto depende o bom governo não se forma do que é, senão do que se cuida; e tanto se devem observar as obras próprias, como respeitar os pensamentos e línguas alheias.” (Sermão de São Pedro)

Estas palavras, escritas pelo Padre António Vieira, têm mais de trezentos anos. Mas são actualíssimas, constituindo fundamentação rigorosa para analisarmos a situação que vivemos, e nesta a actuação, na sua forma e no seu conteúdo, e as consequentes responsabilidades, do Governo.

Que palavras encontramos para definir o que tem sido a acção governativa?

- Engano, pois todo o programa apresentado ao eleitorado foi despudoradamente atirado para o lixo;

- Mentira, pois sucessivas afirmações são, de imediato, contraditadas por outras afirmações e pelos actos praticados;

- Arrogância, prova de um autismo militante, que recusa sequer ouvir a palavra dos que, ideologicamente, lhe estariam próximos;

- Subserviência, em relação aos poderosos, internos e externos;

- Discricionariedade, nas decisões tomadas, agravada com a mesquinhez pacóvia de lançar portugueses contra portugueses;

- Autoritarismo, por recusa de actuação dentro de um quadro legal, desde logo a Constituição da República que jurou cumprir.

Esta prática governativa, submetida às sábias palavras do Padre António Vieira, conduz-nos a uma de duas conclusões, senão a ambas em simultâneo:

1. A acção governativa releva da mais rasteira e pesporrente ignorância.

2. A acção governativa espelha, sem margem para dúvidas, uma intenção, real e dolosa, de prosseguir objectivos que nada têm a ver com os Valores, Princípios e Interesses do Povo.

Da primeira conclusão, podemos deduzir que o Governo não tem nem condições, nem mérito, para governar. Deverá, por isso, por razão de uma mínima consciência cívica, demitir-se.

Da segunda conclusão, retiramos que o Governo não tem rigorosamente nenhuma intenção de governar pelo Povo e para o Povo (a génese da Democracia), pois manifestamente age contra o Povo (a génese de qualquer governo ditatorial). Por isso, por imperiosa necessidade de sobrevivência de uma Comunidade Livre, Solidária, Democrática, e que quer construir um Futuro comum, deverá ser demitido.

Ambas conclusões reflectem a insustentabilidade da actual relação entre governantes e governados, cuja responsabilidade cabe, por inteiro, ao Governo.

E se são as palavras que vestem de sentido os actos, estes, por sua vez, dão corpo às palavras, não as deixando órfãs de Humanidade. Hoje, as nossas palavras, já cansadas, anseiam pelos nossos actos – porque a sobrevivência o exige; porque a Dignidade não é negociável.

É imperiosa a acção! Democrática, sem dúvida, mas também Vertical e Urgente!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Condição Militar: As Regras de Empenhamento como Factor Político

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Em texto anterior defendi que três razões políticas são fundacionais da Condição Militar: (1) A disponibilidade para morrer; (2) A disponibilidade para matar; (3) O apartidarismo político.

Situando-se as duas primeiras razões no âmbito da luta entre a Vida e a Morte, por acção consciente e determinada dos militares, e consubstanciando-se desde logo no Juramento que prestam, individualmente, perante a Nação, reclamam, ambas, Valores e Princípios que construam cada um perante si, perante a comunidade a que pertencem e que juram defender, e perante o Outro.

A última, o apartidarismo político, é uma opção, também ela individual, consciente e determinada, no domínio da Vida de uma Comunidade que se reconhece num Passado que a formou, num Presente solidariamente partilhado e numa perspectiva de Futuro desejado como comum. Por exigente independência das práticas concretas da governação – o Juramento é feito perante o Povo, não perante o Governo, qualquer que ele seja - reclama igualmente Valores e Princípios nos quais Indivíduos e Comunidade se revejam.

São três razões políticas que se impõem como cerne da Ética Política, nos domínios individual, colectivo, profissional e governativo.

Esta exigência Ética, na multiplicidade dos seus protagonistas, encontra nas Regras de Empenhamento uma das suas expressões práticas que, no caso da Forças Armadas, assume um papel crucial, pois se constituem como “directivas que definem as circunstâncias, condições, grau e forma em que a força militar pode, ou não, ser aplicada”.

Mas as Forças Armadas subordinam-se ao Poder Político e a um enquadramento legal, como forma e meio de legitimar o uso da força até ao limite de um combate de Vida e de Morte.

Esta realidade tem como consequência a necessidade, melhor, a obrigatoriedade de hierarquizar os três planos de responsabilidade que actuam, e interagem, na elaboração, definição e execução dessas Regras de Empenhamento:

1. Plano Político – As Regras de Empenhamento devem assegurar que as acções levadas a cabo pelas Forças Armadas reflictam e defendam as políticas e os objectivos nacionais. Num mundo cada vez mais complexo e interdependente, a resolução de conflitos não pode ficar – expectante e limitada – reduzida ao resultado do combate entre forças beligerantes. As vertentes económicas, diplomáticas, culturais, religiosas, intervêm, muitas vezes com carácter determinante, na busca e consolidação das melhores soluções para os conflitos. Isto é, as Forças Armadas não são nem o único instrumento, nem podem agir isoladamente, pondo em risco (ou em “espera”), todas as outras vertentes da acção política de um Estado que vise solucionar um conflito.

Donde as razões políticas que determinam a actuação das Forças Armadas devam ser reconhecidas por quem as ordena – o Poder Político – e por quem as cumpre – as Forças Armadas, os Militares.

2. Plano Legal – Os Seres Humanos não encontraram, até hoje, uma fórmula de resolução de conflitos que exclua, definitivamente, o uso da força. No entanto, e mesmo que os resultados sejam, as mais das vezes, frágeis e contraditórios, tem sido incessante a luta política, diplomática, social, cultural, pela construção de um normativo legal global em que todos, Estados, organizações e indivíduos, se revejam, reconheçam, acolham e cumpram, na pluralidade e diversidade de relações que entre si estabeleçam

Desse processo de construção de um Direito Internacional defendido e praticado por todos, fazem parte normativos nacionais (dos vários Estados) e internacionais, cuja importância é inquestionável.

No nosso país, no que às Regras de Empenhamento diz respeito, assume particular relevância o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o Regulamento de Disciplina Militar, o Código Penal, o Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional. E claro, a Constituição da República, à qual todos aqueles normativos devem obediência, pois que nela se inscrevem os Valores e Princípios que nos definem como Comunidade com um futuro desejado comum. No âmbito internacional, relevem-se a Carta das Nações Unidas, o Tratado Constituinte da NATO, o Estatuto de Roma.

Em todos eles, nacionais e internacionais, são explicitamente estabelecidos limites ao uso da força, mesmo em situações de guerra, mesmo em situações de legítima defesa.

De igual modo, em todos eles se reconhece que ninguém é excluído de responsabilidade pela prática de um crime.

De facto, identificando uma hierarquia que coloca no decisor político o nível mais elevado dessa responsabilidade, não isenta de responsabilidades nenhum soldado ou marinheiro, salvo circunstâncias e razões específicas, as quais, assim sendo, acrescem às responsabilidades dos níveis hierárquicos superiores.

3. Plano Militar – A capacidade e a vontade das Forças Armadas, constituintes do Poder Militar, são colocadas ao serviço do Poder Político, (representado por um Governo, qualquer que ele seja), em conjugação com outras áreas definidas como relevantes, para a resolução do conflito – Economia, Diplomacia, Religião, Cultura, etc… - e enquadradas/subordinadas ao edifício jurídico tanto nacional como internacional.

É neste contexto que as Forças Armadas intervêm na elaboração, definição e execução das Regras de Empenhamento. E se é legítimo e crucial que estas espelhem as reais capacidades das Forças Armadas – (meios disponíveis, pessoal qualificado, organização adequada, informação e conhecimento do teatro de operações e do oponente/inimigo, etc…) - o que implica uma avaliação rigorosa face à vontade Política e aos limites impostos pela Lei, tantas vezes contraditórios e até conflituantes – também é essencial que toda a estrutura militar, em todos os escalões hierárquicos, se reveja nelas. Mas o contexto não é apenas teórico, ou formal. É real, um real complexo, plurifacetado, muitas vezes imprevisto, difuso ou dúbio na sua aparência, assimétrico na relação forma/potência com que se apresenta como hipotético ou real conflito. Daqui se constata que a decisão militar não se esgota nos níveis hierárquicos superiores: quem executa é quem prime o gatilho, nas circunstâncias concretas que vive, de acordo com a avaliação que delas faz, e assumindo a responsabilidade pela decisão tomada.

É esta última realidade – a de quem individualmente trava um combate de vida e de morte – que se confronta com a imprescindível confiança de que o uso que faz da força que tem é legítimo.

É esta imprescindível confiança que constitui o centro nevrálgico das relações, hierarquizadas mas interdependentes, dos três planos de responsabilidade que interagem na elaboração definição e execução das Regras de Empenhamento.

                               Poder Político/Governo                                    Sistema Jurídico 

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                                                                 Forças Armadas/Militares

Existirá hoje, em Portugal, essa tão imprescindível confiança?

Vejamos O que podemos constatar serem os actos e as palavras que definem cada um daqueles actores:

1. O Poder Político/Governo é

Ø Manifestamente submisso e subserviente perante os poderosos; mas pelo contrário, manifestamente prepotente e impositivo perante os fracos.

Ø Ameaçador com o que designa por “emergência nacional”, manipulando causas e efeitos de acordo com objectivos e interesses nada claros nem nacionais.

Ø Selectivo na escolha de “responsáveis” pela situação do país, apresentando razões ambíguas, dúbias e falsas.

Ø Discricionário na imposição de “culpas” e de “castigos” àqueles que escolheu como responsáveis.

Ø Incumpridor assumido das suas próprias leis.

Ø Intencionalmente doloso quando coloca portugueses contra portugueses, revelando uma absoluta falta de respeito pelo Povo.

Ø Inimigo declarado da Constituição que jurou cumprir.

Isto é, um Governo que exerce ilegitimamente o Poder que lhe foi concedido por eleições livres e democráticas, traindo o voto e a confiança dos eleitores.

2. Um Sistema Jurídico

Ø Preso numa monstruosa teia burocrática.

Ø Sujeito a um edifício jurídico pesadíssimo, contraditório e ambíguo.

Ø Claramente selectivo na aplicação das leis.

Isto é, um Sistema Jurídico que há muito deixou de merecer a confiança dos portugueses.

3. Umas Forças Armadas/Militares

Ø Desprezadas pelo Poder Politico.

Ø Sujeitas a sucessivas alterações na sua organização e composição sem que se conheçam razões válidas e objectivos concretos e exequíveis

Ø Insultadas pelos sucessivos e reiterados incumprimentos, por parte do Governo de leis que lhe são essenciais.

Ø Incapazes de garantir a indispensável capacidade operacional, por razões quer dos meios (adequada manutenção), quer do pessoal (formação/treino adequados)

Isto é, umas Forças Armadas em acentuado processo de degradação.

Na identificação, muito sumária, do Governo e do Sistema Jurídico que temos, encontram-se razões de sobra para compreendermos as enormes tensões sociais que vivemos, a crescente falta de confiança nas instituições e nas leis, a insustentabilidade da actual relação entre governantes e governados.

Na identificação, igualmente muito sumária, das Forças Armadas que temos, encontram-se razões de sobra para afirmarmos que são estas atitudes do Governo que minam a coesão e a disciplina militares, que destroem a Confiança que os Militares têm que ter no Governo.

Confiança que é absolutamente indispensável a um Militar, qualquer que seja o seu lugar hierárquico, quando tem que decidir sobre a vida e a morte.

E fragilizada que está a confiança dos militares no Governo, seria erro crasso se este tivesse a veleidade de invocar o dever de obediência para assegurar que as Forças Armadas cumprem as suas ordens. Por duas razões determinantes:

Ø Porque legal e eticamente, o dever de obediência tem limites bem identificados e sustentados em Valores e Princípios em que os Militares e os Cidadãos se reconhecem, mas que o governo não reconhece nem pratica.

Ø Porque a obediência cega colocaria no governo a total responsabilidade pelas decisões tomadas, fosse qual fosse o nível hierárquico de um militar. Ora responsabilidade é algo que o governo provadamente recusa.

Assim, compreender-se-á a insustentabilidade da actual relação entre o Poder Politico/Governo e os Militares/Forças Armadas.

A insustentabilidade da relação entre o Poder Político/Governo e os Militares/Forças Armadas nada tem de singular: é apenas um exemplo que, com muitos outros, reflectem uma realidade perigosa: a insustentabilidade da relação entre governantes e governados. E suficientemente perigosa para exigir que a situação se reverta com urgência, sob pena de ocorrência de actos aleatórios, imprevisíveis, descontrolados, desesperados.

Todos poderemos ser responsáveis por tais actos. Mas sendo eles consequências, é imprescindível nomear os responsáveis pelas causas que os originaram. Sabemos quem são, onde estão, o que fizeram, o que fazem.

Urge confrontá-los – e não só com palavras – com as efectivas e responsabilidades que têm, sobretudo pela forma e pelo conteúdo como exerceram, e exercem, o Poder: sem Ética, em absoluto arrepio de Valores e de Princípios.

Urge confrontá-los, sabendo que as palavras, vindas dos mais variados e insuspeitos sectores e protagonistas, se esgotaram nas propostas pacientemente apresentadas que trouxessem ao Poder Político um momento de bom senso que pudesse reverter o caminho que está a ser imposto, cujos resultados são de humilhação, de ofensa, de desespero, para a esmagadora maioria do Povo.

Numa palavra/acto: urge demitir o Governo!

Numa outra palavra/acto: reverter a actual situação não passa por nenhuma alternância que continue a “tradicional” política praticada nas últimas décadas: “ora agora governo eu e “acusas” tu; ora agora governas tu e “acuso” eu”, suportada pela mais despudorada impunidade. Não será tolerada!

Porquê a urgência destes actos? Porque a situação de degradação a que o Poder Político conduziu o País é tão profunda que o que está em causa é a Dignidade de um Povo, é a Dignidade dos Militares (como exemplo de tantos outros profissionais). Porque a Dignidade dos Seres Humanos não se vende, não se aluga, não se suspende. Nem por ordem de uma qualquer “troika”. Porque o que está já em causa - de uma forma claramente visível, ou escondida por pudor – é a Sobrevivência de milhões de Seres Humanos, é a Sobrevivência de uma Comunidade, uma Nação, Livre, Independente e Soberana.