sexta-feira, 17 de abril de 2015

MULHER

0821 a Utopie 20*

Primeiro, uma “declaração de interesses”. É comum definir a relação dos seres humanos com o divino considerando três hipóteses: 1) Os que acreditam (opção pela positiva) que há um deus; 2) Os que acreditam (opção pela negativa) que não há nenhum deus; 3) Os que não acreditam nem deixam de acreditar (opção pela dúvida) que haja um deus qualquer. A minha opção é outra: tenho tanto trabalho para “andar de pé”, para cumprir o Dever de reconhecer a Dignidade da Diferença antes de lutar pelo Direito à Igualdade, para ter o respeito por mim próprio para poder respeitar o Outro em pé de igualdade, que não preciso do divino para coisa nenhuma.

Esta posição individual não significa que não reconheça a importância decisiva da religião (das religiões) no âmbito antropológico, sociológico, cultural, político. Nem que desrespeite, ou menospreze, a escolha que cada um faça por qualquer daquelas três hipóteses.

O que é que isto tem a ver com as Mulheres? É que as Mulheres ensinaram-me esta “coisa” simples, mas tremendamente difícil de aceitar: há uma brutal (de enorme) diferença entre um Homem e uma Mulher! (Se ainda não estão “zangados” comigo, vou tentar justificar por que afirmo isto).

Desde sempre, o Desconhecido é um lugar que causa, ao mesmo tempo, uma atracção irresistível, e um medo atroz. Esta dupla, e simultânea, circunstância Humana, encontro-a retratada, de forma sublime, no filme de Stanley Kubrick “2001 Odisseia no Espaço” : o Desconhecido representado por um paralelepípedo negro e brilhante, que atrai imperiosamente os humanos, desde os pré-hominídeos até aos astronautas, que dele se aproximam a medo, mas que, ao ser tocado, conduz a Humanidade a “saltos” prodigiosos de evolução. Esse Desconhecido tem a expressão máxima na última, e fortíssima, imagem do filme: uma “lua” de Júpiter é um … Feto Humano. É esta a fronteira mais longínqua do Desconhecido.

Mas o Homem é, sempre, confrontado com o Desconhecido, num desafio constante e urgente. Se o compreende, ultrapassa-o, e segue para novo desafio. Mas se não o compreende, tem absoluta necessidade de o colocar em algum lugar que lhe permita continuar a saber o que pode ou não fazer nas circunstâncias que vive. A única solução que encontrou foi a deificação desse Desconhecido incompreendido.

E as Mulheres? Terão elas a mesma atitude perante o desconhecido? Se a fronteira mais longínqua desse Desconhecido é a Criação de um Ser Humano, as Mulheres transportam-no dentro de si! E chamam-lhe Futuro! E chamam-lhe Seu! O Futuro começa Dentro do ventre de uma Mulher! Todas as dúvidas, todos os medos, todas as angústias, a Mulher procura, determinada e inteira, resolvê-las Dentro de Si.

Vem a propósito uma pergunta: quantas das grandes religiões colocam uma Mulher no “topo da pirâmide”? Que eu saiba, nenhuma. Creio que a razão não andará muito longe disto: perante o Desconhecido incompreendido, o Homem procura respostas Fora de Si, ao contrário da Mulher.

Que diferença é esta, tão grande, tão determinante? Quando um Homem e uma Mulher se Amam, apaixonadamente, nada os separa. Quando decidem ter um Filho, será um Filho de ambos. Quando a Mulher sabe que está grávida há uma “ruptura”, consciente ou inconscientemente, assumida e vivida por ambos: a Mulher vive essa criação do Futuro Dentro de Si, o Homem vive-a Fora de Si. Indo mais longe ainda, e definindo o que é a tal diferença “brutal”: nessa criação de um novo Ser Humano, o Homem participa, a Mulher compromete-se (o seu corpo, a sua saúde, a sua identidade, a sua vida).

A incompreensão desta diferença é a causa crucial, a meu ver, de todas as discriminações a que a Mulher ainda hoje está sujeita. E acontece quando o Homem interiorizou, com a sedentarização, a noção (e a prática) do Poder. Do seu próprio Poder, resultante da sua Força, ou de um Poder “delegado” por “algo ou alguém” “superior, embora desconhecido”.

(Como “curiosidade”: Mulher escreve-se sempre da mesma maneira. Já Homem pode escrever-se homem, ou Homem (Com H grande, para significar que é mesmo Homem!), ou ómem. Ou “oh mãe”!).

Significa que defendo uma “inversão da hierarquia do Poder” entre o Homem e a Mulher? NÃO! Defendo, como imperioso e urgente, a Cumplicidade entre ambos, Seres Humanos Inteiros e Livres, como condição imprescindível para a efectiva construção da Humanidade, num retorno, também imprescindível, à Natureza. Não tem nada a ver com o “bom selvagem”, tem a ver a recusa do abuso destrutivo para onde os avanços científicos e tecnológicos nos estão a atirar, fazendo-nos esquecer que, como dizem os índios sul-americanos, “Esta Terra não é nossa, pedimo-la emprestada aos nossos Filhos”.

Falar de natalidade impondo à Mulher à inumana condição de “fábrica de produção de seres humanos”, negando-lhe o imprescindível, inalienável, irrecusável direito a escolher o seu próprio caminho, e a fazer as opções que têm que ser suas na construção, Inteira e Livre, de si própria como Ser Humano, é uma despudorada manifestação de hipocrisia do mais forte.

Cada um de nós é uma Identidade em permanente construção. Quando um Homem e uma Mulher se Amam e decidem construir um Futuro comum, iniciam a construção de um Nós, uma terceira Identidade. Entre elas não pode haver sobreposição, ou submissão, de uma perante as outras. Apenas em cooperação, em afectuosa Cumplicidade, intensa e constante, mas sempre Inteira e Livre, é possível a essas três Identidades construírem esse Futuro comum.

E se nesse Futuro couber o nascimento de novos Seres Humanos, também eles farão parte do Nós, partindo deste para a construção de Si, novas Identidades inteiras e Livres. Não é possível construir esse desejado Futuro se a qualquer destas Identidades for amputada, por quaisquer meios, qualquer parcela da sua Inteira e Livre Humanidade. Quer esse Futuro seja um Indivíduo, uma Família, uma Comunidade.

A discriminação da Mulher como a defini acima é a primeira de todas as discriminações que hoje dividem os Seres Humanos. A Humanidade não terá Futuro se não conseguirmos dominar o Poder que exerce, por diversas formas e com diversos conteúdos, essa discriminação, colocando-o ao serviço de uma cooperação que nos é vital, e rejeitando-o como instrumento e expressão de um qualquer tipo de domínio, que nos é (será) fatal.

* “Utopie”, óleo sobre tela, de C. A. Moura

1 comentário: