quarta-feira, 17 de junho de 2015

O Novo EMFAR – Consequências do Acefalismo Político

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Sabemos que, em Democracia, o uso legítimo da força reside no Estado, que sustenta o seu exercício pela autoridade de um governo resultante de eleições livres e democráticas.

É nesta autoridade legítima que um governo reclama a subordinação do Poder Militar, detector da força máxima de um Estado, ao Poder Político que esse governo exerce. E de igual modo, determina a subordinação do Poder Económico-Financeiro ao mesmo Poder Político.

No entanto, sabemos também que, no mundo complexo, instável, inseguro, em que vivemos, se multiplicam os “exércitos” privados. Destes, uns são claramente ilegítimos e ilegais (p. ex. os que actuam no âmbito do narcotráfico); outros, ao serviço de grandes multinacionais, situam-se numa fronteira de linhas indefinidas, onde a legitimidade e a legalidade da sua acção se tornam frágeis, susceptíveis de serem facilmente ultrapassadas.

Tendo presente este cenário, será pertinente reflectirmos sobre algumas questões:

1. Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP); Trade in Services Agreement (TiSA); Trans-Pacific Partnership; Investor State Dispute Settlement (ISDS). Os dois primeiros Tratados em causa (o terceiro é idêntico) estão a ser desenvolvidos no maior dos secretismos. Tanto que os euro-deputados que os queiram “ver” não estão autorizados a fotografá-los, a gravá-los ou, sequer, a tirar apontamentos do que “vêem”.

Estão a ser elaborados por “técnicos altamente qualificados”, assumidos por si próprios e pelo Poder que os nomeou, como verdadeiros “apóstolos” das “verdades científicas”, devidamente “deificadas”, das suas áreas de especialização, as mesmas áreas de actividade das multinacionais que “tomarão sobre si a responsabilidade de levar à prática” estes Tratados.

Porém, estas secretíssimas práticas vão afectar milhões de pessoas, por todo o mundo, sem se conhecerem, nem serem dadas a conhecer, a profundidade, a qualidade e a relevância das consequências dessas acções na vida dessas pessoas. Aliás, para aqueles “técnicos altamente qualificados”, e para quem lhes “encomendou o serviço”, é até irrelevante que os milhões de pessoas a serem afectados queiram ou não ficar sujeitos a estes Tratados.

E de tal forma esta “irrelevância de milhões de pessoas” é assumida que, se porventura num Estado aderente a estes Tratados (ou ao qual estes lhe sejam impostos), surgir um conflito entre esse Estado e uma (ou várias) das multinacionais incluídas nos mesmos Tratados (por exemplo, a promulgação de uma lei que beneficie toda a população desse Estado mas que, alegadamente, reduza as perspectivas de lucro da multinacional), tal conflito não será dirimido por nenhum tribunal (nacional ou internacional), nem a nenhuma instituição (nacional ou internacional) será reconhecida competência para tal.

De facto, e de acordo com o ISDS, serão particularíssimos e privadíssimos escritórios de “advogados” que serão “contratados” por ambas as partes para “litigarem” o conflito perante um “juiz”, também ele privadíssimo e fora de qualquer instituição reconhecida.

Acrescentemos que, estando deste modo garantida a “privacidade” da resolução deste tipo de conflitos, nada parece obstar a que, dentro da mesma privacidade, num outro conflito entre o mesmo Estado e a mesma multinacional, os escritórios de “advogados” envolvidos “troquem de clientes”. Ou que, num mesmo tipo de conflito com o mesmo Estado, mas multinacionais diferentes, o mesmo escritório de “advogados” tenha como cliente num caso o Estado e noutro uma multinacional.

2. A grave situação política, económica, financeira, social e humana que a Grécia atravessa, tem suscitado inúmeras notícias, análises, debates. Têm também sido constantes as reuniões entre representantes do governo grego, da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional.

Duas recentes declarações noticiadas em vários órgãos de comunicação social merecem reflexão atenta:

a) Para responder às exigências dos seu credores, o governo grego propôs-se efectuar significativos cortes no seu orçamento de defesa, não aceitando fazer cortes nos salários nem nas pensões.

O Fundo Monetário Internacional, um dos credores, rejeitou liminarmente que o governo grego fizesse cortes no orçamento de defesa.

b) Um comissário alemão afirmou que a situação da Grécia, e a sua possível evolução a curto prazo – bancarrota, saída do euro – impunha que a União Europeia desenvolvesse um “plano de emergência”, a pôr em prática com a urgência que aquela situação requeria. As notícias não especificam que “plano de emergência” é este.

É lícito, então, perguntarmos: De que “plano de emergência” se trata – Ajudar o governo grego a ultrapassar a dificílima situação social e humana em que a população está mergulhada? Expulsar a Grécia da zona euro? Impôr, pela força, o cumprimento dos compromissos assumidos, derrubando o governo grego? Enviar para a Grécia um contingente da EUROGENDFOR para “disciplinar os extremistas” do governo grego e ”pôr a ordem necessária nas ruas” (algo que poderia trazer, como “bónus”, um exemplo do que poderia acontecer a outros “extremistas”, como os espanhóis do Podemos…)?

3. O Tratado Orçamental (que o “nosso” auto-designado “arco da governabilidade” foi dos primeiros a assinar, com um patético sorriso nos lábios), impõe a submissão do nosso Orçamento do Estado à apreciação, aprovação e autorização dos “tecnocratas apostólicos” de Bruxelas.

Importa recordar: há poucos anos, na Guiné-Bissau viveu-se um período de autêntica guerra civil, colocando em risco de vida centenas de portugueses que lá cooperavam e trabalhavam. Esta situação conduziu ao envio, imprevisto e urgente, de uma força da Marinha Portuguesa, para proteger e resgatar os nossos concidadãos. Esta missão não estava “orçamentada”.

Se uma situação idêntica ocorresse hoje, o governo português seria punido por “manifesta usurpação do poder tecnocrático” de Bruxelas, por “inexistência de cobertura orçamental” para tal missão?

E os militares envolvidos nessa missão seriam “devidamente exonerados” e “condenados” por crime contra…o orçamento?

As três questões abordadas mostram, claramente, o caminho que está a ser trilhado: a legitimidade para o uso da força por parte de um governo deixa de residir no voto expresso em eleições livres e democráticas, para ser usurpada por entidades não eleitas, não representativas da vontade soberana de um Povo, onde a tecnocracia é deificada e praticada por quem não se submete a escrutínios públicos e de quem não conhecemos compromissos e lealdades publicamente assumidas.

Significa esta “mudança de residência” da legitimidade para o uso da força, em última instância, do Poder Militar, que esta força, este Poder, é tão tecnocrático como outro qualquer, como o “Poder Orçamental”, sendo os militares meros “técnicos do saber o que fazer, do saber o que pensar”, recusando definitivamente a urgência humana do “saber como pensar”, do “saber como fazer”, exigida pelo Estatuto de Roma e pela Constituição da República?

É este o propósito último do “dever de isenção política”?

Se assim for, e porque o limite do uso do Poder Militar é a guerra, estaremos a dar razão a Paul Valéry: “A guerra é um massacre entre pessoas que não se conhecem para proveito de pessoas que se conhecem mas não se massacram”.

Resta uma última, e crucial, questão: face à submissão do governo à tecnocracia deificada pela ideologia do “Não Há Alternativa”, perante quem, ou melhor, perante “o quê” os militares juram o “sacrifício da própria vida”?

A esta pergunta já responderam a pessoa que desempenha o cargo de Presidente da República, e o governo: os militares são meros instrumentos, óptimos enquanto cumprem cega e eficazmente as ordens recebidas, descartáveis quando “se avariam” e reclamam a sua Dignidade de Seres Humanos.

Que respondem os Chefes Militares?

Mas sobretudo,

Que respondemos, individualmente, nós militares?

domingo, 14 de junho de 2015

2 de Maio de 2015 – O 25 de Abril no Clube Estefânia

 
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No passado dia 2 de Maio a ACR marcou presença nas comemorações do 41º aniversário do 25 de Abril. Fez-se representar pelo sócio Almeida Moura que proferiu uma intervenção alusiva à efeméride que se comemorava
Senhor Presidente do Clube Estefânia
Minhas Senhoras, Senhores
Em nome da Associação Conquistas da Revolução agradeço o convite, que nos honra, para comemorar convosco o 25 de Abril de 1974.
Em meu nome expresso também o meu Obrigado. Para além de me sentir duplamente honrado – por estar convosco, por representar a ACR – é um privilégio estar aqui.
As palavras que Vos dirijo são da minha inteira responsabilidade. Têm a ver com o que vivi há 41 anos, com o que vivi durante estes 41 anos, com o modo como sinto este Presente. Mas têm, sobretudo, a ver com o Futuro: os anseios, as expectativas, os sonhos, as esperanças, os afectos, também os medos, os fantasmas, os mitos, as contradições, tudo o que nos faz Seres Humanos, individual e colectivamente.
Para poder olhar para o Futuro, e escolher o caminho a percorrer para lá chegar, preciso de entender o Passado, colocando perguntas claras e procurando respostas firmes, mesmo que doam: Por que aconteceu o 25 de Abril? Para quê? Que Futuro queria, queríamos, que fosse meu, que fosse nosso, um nosso onde eu me sentisse inteiro e livre? Que aconteceu nestes 41 anos? Que fiz, que fizemos, dos sonhos, anseios, esperanças, expectativas, afectos, que eram meus, nossos? Como, e porquê, chegámos a este Presente? Um Presente nosso, de facto, ou apenas emprestado? Ou mesmo imposto?
Nesta sequência de perguntas, cujas respostas não são fáceis, encontramos um primeiro, e enorme, desafio: Passado, Presente e Futuro co-existem, interagem, são interdependentes. Sem jogar com palavras, chamo Vida a esta profunda e inescapável relação.
Mas a mesma sequência de perguntas comporta, dentro de si, uma terrível armadilha: as palavras!
São elas que nos ensinam a entender o Passado. São elas que nos permitem analisar o Presente. São elas que nos ajudam a escolher os caminhos que devemos percorrer para construirmos o Futuro.
Mas são elas também que nos dividem.
Um exemplo: Igualdade.
Foi uma palavra-chave para que o 25 de Abril acontecesse. Foi uma palavra constante nas nossas bocas durante estes 41 anos, gritada e defendida como um Direito inalienável. Que é, irrecusavelmente.
Mas foi também uma palavra que o “outro lado de Abril”, o lado contra o qual Abril se fez, adulterou, e adultera, em seu proveito próprio: não é verdade que quem tem exercido, e exerce, o Poder, neste nosso País (não só), não se cansa de usar todos os meios e instrumentos a que possa deitar mão para, em nome dela, nos dividir?
E que faço eu, fazemos nós, para lutar contra este abuso se, ao fim de 41 anos, continuamos a confundir divergências com diferenças? Medo de que qualquer cedência represente uma traição aos Valores e Princípios que defendo, defendemos? Claro que sim, o que me obriga, nos obriga, a uma constante auto-crítica para continuar a caminhar de pé, inteiros e livres.
No entanto, será só esse medo?
Creio que não. Há um outro medo, aquele que está dentro de um desafio a meu ver determinante para chegar ao Futuro que anseio: o desafio de cumprir o Dever de reconhecer a Dignidade da Diferença.
O cumprimento deste Dever é exigentíssimo, e impõe-nos irmos ao fundo de nós mesmos, para encontrarmos respostas que defendam os Valores e Princípios que são os nossos, com a força necessária para derrotar “o outro lado de Abril”, que tem demonstrado, sobretudo nos últimos 30 anos, que, de facto, só tem, e só defende, interesses.
Cumprindo este Dever, ganharemos força para impor o Direito à Igualdade. E com isso defender a Liberdade como campo aberto onde cabem os Afectos, a Solidariedade, a Complementaridade e a Cooperação que definem a nossa Humanidade, rejeitando a competição e o domínio de uns (muito poucos) sobre os outros (a esmagadora maioria).
E seremos nós os autores, os protagonistas, na construção do nosso Futuro, recusando que quem quer que seja nos imponha a sua vontade, por mais “bem embrulhada” em palavras bonitas (a maior parte delas usurpadas de nós), ou em “cenários inevitáveis”, com que se apresente.
É tempo de um Povo com quase 900 anos de vida afirmar bem alto – para se ouvir cá dentro, e na Europa e no Mundo – que o seu Futuro só a si compete definir, escolher, construir























segunda-feira, 8 de junho de 2015

O Novo EMFAR–Uma Contradição Insanável

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O novo Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) foi publicado no Diário da República de 29 de Maio de 2015, em consequência da sua promulgação pela pessoa que exerce a função Presidencial.

Quem é esta pessoa? A mesma que, num dos seus primeiros actos após tomar posse, escolheu ser remunerado pelas suas pensões, em detrimento do vencimento correspondente àquela função. Sendo legal esta escolha, ela constitui também, e inequivocamente, uma afirmação de que os seus interesses pessoais estão muito acima do que a Constituição da República define para o cargo: a mais elevada representação política, social, cultural, do Estado e dos Portugueses. Colocar os seus interesses pessoais acima desta representação é um insulto a um Povo inteiro.

Por inerência de funções, cabe à mesma pessoa o Comando Supremo das Forças Armadas.

Foi nestas duas vertentes do cargo que ocupa que esta pessoa promulgou o EMFAR, um acto que é da sua exclusiva responsabilidade. No entanto, não se coibiu de afirmar que as Chefias Militares tinham participado na elaboração deste Estatuto. O facto de as Chefias Militares terem participado nessa elaboração, e a forma como o fizeram, não é determinante para o acto da promulgação, uma vez que, mesmo se no limite se verificasse absoluta concordância entre todos os participantes, nomeadamente o governo e as Chefias Militares, o poder que, neste âmbito, reside na função Presidencial, permitiria que, em caso de discordância pessoal, o diploma não fosse promulgado.

A pessoa que desempenha o cargo de Presidente da República não pode, em circunstância alguma, eximir-se às suas responsabilidades, escudando-se em estruturas e funções que lhe estão subordinadas. É feio. E põe em causa a confiança que aquela função exige.

As situações acima descritas são tão mais graves quanto o EMFAR contém, dentro de si, uma violenta e insanável contradição: a que existe entre os seus Artigos 7º, “Juramento de bandeira”, e 12º, “Deveres especiais” – alínea i) “O dever de isenção política”.

Que pesada contradição, que incompatibilidade, é essa? Vejamos:

. O Artigo 7º define o Juramento que todos os militares fazem, individualmente, perante o Povo a que pertencem;

. Neste Juramento é afirmado, explicitamente, que a acção dos militares, de cada militar, pode ir até ao limite do “… sacrifício da própria vida.”;

. Seria estultícia alguém presumir que os militares, cada militar, jura sacrificar a própria vida por sofrer de uma qualquer patologia suicida;

. Por outro lado, também neste Juramento se afirma “Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto(a) a lutar pela sua liberdade e independência…”;

. Só há uma interpretação para esta frase: trata-se de combater um inimigo. E se, nesse combate (com armas letais), o militar pode morrer, também pode matar;

. Seria, de novo, estultícia alguém presumir que os militares, cada militar, jura matar o inimigo (um outro ser humano) por sofrer de uma qualquer psicose assassina.

Não! Ambas as escolhas – morrer, matar -, objecto deste Juramento, só são compreensíveis, só têm sentido, só honram os militares e o Povo a que pertencem se: forem solidamente suportadas por Valores e Princípios em que todos, militares e Povo (cidadãos) se revejam e reconheçam como seus, através dos quais todos se identificam com um Passado comum, vivem um Presente que partilham dia a dia, anseiam um Futuro comum, e querem construí-lo em conjunto; esses Valores e Princípios estiverem ameaçados por um inimigo externo, colocando em risco o Presente e o Futuro de todos.

Uma escolha destas, baseada em tais Valores e Princípios, é a mais exigente escolha política que alguém pode fazer!

Como pode esta exigentíssima opção política ser compatível com “O dever de isenção política” inscrito no Artigo 12º, alínea i)?

É impossível este co-existência! Um destes artigos tem que ser eliminado, sob pena de todo o EMFAR ficar refém de uma contradição que abre portas às mais ambíguas e díspares interpretações.

E esta contradição é exponencialmente agravada se recordarmos o Estatuto de Roma, que sustenta a acção do Tribunal Penal Internacional, e que o nosso País ratificou, o que significa que é uma Lei a que Portugal se obrigou a cumprir.

Neste Estatuto encontram-se tipificados, entre outros, os “Crimes contra a Humanidade” (Artigo 7º) e os “Crimes de guerra” (Artigo 8º). Por outro lado, define o que se entende por “Responsabilidade criminal individual” (Artigo 25º), e por “Responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos” (Artigo 28º). Neles podemos constatar que, quer na sua elaboração, quer na acção concreta de os cumprir e fazer cumprir, toda a sua estrutura assenta em Valores e Princípios reconhecidos, aceites e defendidos por múltiplas comunidades, por todo o mundo.

Assim, a solução efectivamente correcta para ultrapassar esta violenta contradição dentro do EMFAR seria a de substituir a alínea i) do Artigo 12º por “O dever de isenção partidária”. Um dever que, aliás, estava presente no anterior EMFAR.

Mas o EMFAR é um dos diplomas essenciais para enquadrar o Poder Militar como um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e Democrático. Isto é, o enquadramento político do Poder Militar passa pelo EMFAR.

Nesta perspectiva, seria expectável que o topo deste enquadramento político do Poder Militar residisse no Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas. No entanto, não foi essa a opção tomada pela pessoa que desempenha aqueles cargos: preferiu lembrar a posição das Chefias Militares no processo de elaboração deste EMFAR, menosprezando a sua responsabilidade como superior hierárquico (Estatuto de Roma), e a sua exclusiva competência para promulgar uma Lei deste teor (Constituição da República).

Por outro lado, com a recente Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional, que extingue a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, e cria a Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, o governo “transformou” pessoas (os militares) em meros “recursos”, isto é, instrumentos, meios, “coisas”, que a Defesa Nacional tem à sua permanente disposição, para “utilizar” se, quando, sempre que necessário.

Desta forma, juntando a sua definição como instrumentos, ao dever de isenção política, aos militares fica apenas reservado o “cumprimento adequado das ordens e missões, devidamente suportado por um “saber o que pensar” em tudo semelhante à acção desenvolvida por burocratas acéfalos que se supõem isentos de responsabilidades pelo que fazem (ou omitem fazer) porque…”não há alternativas”. É esta a atitude assumida pelos “técnicos” do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia que, afirmando “saber o que pensar”, transformam o que não são, não podem ser, mais do que factores condicionantes de decisões políticas que afectam o Presente das Comunidades, em factores determinantes dessas mesmas decisões, colonizando o Futuro dessas Comunidades, desumanizando a Política, travestindo-a de mera estrutura “obedientemente ao serviço” da técnica e da burocracia, elas próprias deificadas em favor de interesses pessoais e de grupos restritos, já tantas vezes demonstradamente obscuros, ilegítimos, criminosos.

Pode ser que nos “corredores” de Bruxelas, ou de Berlim, ou de Lisboa, esta presunção de irresponsabilidade tenha como consequência a absoluta impunidade.

(Um parêntesis para perguntar: Há, em Portugal, muitos milhares de crianças com fome. Quem é responsável? Ou “não há alternativa”?)

Mas um militar que, num confronto real, concreto, directo, cometa um acto susceptível de ser considerado um “Crime de guerra” ou um “Crime contra a Humanidade”, não pode fugir à sua responsabilidade individual pelo acto cometido. Nem os seus superiores hierárquicos, militares ou outros. É-lhe, é-lhes, exigido “saber como pensar”, isto é, ir muito mais além do automatismo acéfalo de usar uma arma, qualquer que ela seja.

Porque estamos, inescapavelmente, perante uma opção definitiva:

. Ou escolhemos o campo dos Valores e dos Princípios, da sua prática, e da sua defesa intransigente, a todos os níveis hierárquicos (militares e outros), em nome de um Futuro que ansiamos Digno, Livre e Humano;

. Ou, pelo contrário, escolhemos o campo dos interesses (sempre pessoais e de grupos restritos), a sua defesa “custe o que custar”, abdicando de “saber como pensar”, e assumindo o menor esforço de apenas “saber o que pensar”, numa ilusória irresponsabilidade pelos actos (ou omissões) cometidos.

Se prevalecer esta última opção, então a inscrição do Juramento de bandeira no EMFAR deixaria de fazer sentido, devendo ser eliminado.

De facto, reduzidos à condição de meros instrumentos, de “coisas”, aos militares não seria reconhecida a capacidade de, por si próprios, assumirem quaisquer responsabilidades por actos por si praticados. Mas serão os “outros superiores hierárquicos”, identificados pelo Estatuto de Roma, capazes de assumir, por inteiro, essas responsabilidades, ou o propósito “escondido” será levar a redução da Dignidade dos militares até ao limite insuportável da…escravatura?

Claro que tal solução significaria também a extinção das Forças Armadas.

Nota Final: Como “curiosidade”, recordemos que o EMFAR contido no Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, foi objecto de prévio debate pelos militares, nomeadamente os que se encontravam no Activo e nas unidades onde prestavam serviço…